Homem sábio e humilde, esse Seu Aristides. No auge dos seus 86 anos, nem parece ! Durinho que nem ele só, vive ali no seu pequeno latifúndio. Seu mesmo, propriedade sua, aquela terra não é. Na realidade objetiva das coisas, aqueles metros bem cuidados de verde, pertencem a uma de suas filhas. Mas, aqui pra nós, que diferença isso pode fazer pra Seu Aristides? Se as terras não lhe pertencem, é impossível que alguém duvide que ele pertença a elas. Seu Aristides é sim daqueles homens para quem bastam as palavras que vem do coração. A palavra de um homem “no seu tempo”, media sua honra e sua ética. Era assim, palavra dada – palavra cumprida! Nada de papel. Pra que? Nesse tempo, podia-se garantir os compromissos e fazer valer a palavra. Quando isso não era possível, o silêncio era o melhor remédio.
Além disso, seu Aristides não é homem de destruir aquilo que é o objeto do seu amor. Como um bom amante, não precisa sentir-se correspondido para poder amar. Doar-se lhe basta e sua entrega àquelas terras torna-se visível através de seu corpo ereto e orgulhoso a dizer: - vejam com que carinho cuido de tudo! Semeia, umedece, fertiliza, cuida, colhe e admira os frutos que por ventura vierem de sua dedicação Como um amante rendido no colo da amada, não esconde sua emoção ao dizer com muita espontaneidade: - sou apaixonado por isso aqui! Nesse exato momento sua fisionomia se destaca ressaltando seus olhinhos pequenos e brilhantes, que emprestaram veracidade e transparência a confissão.
Sim, seu Aristides ama essa terra. A Mãe–Terra, boa, farta, que muito lhe provem. Como uma mãe de verdade, ela lhe dá o alimento, referência no mundo, segurança e familiaridade. Precisava ver o tamanho dos frutos! Alguns já saboreados pelos passarinhos,deixavam pingar seu leite suculento. Dizem, que fruto que passarinho bica, essa sim é dos bons! Como uma mãe de leite, a terra alimenta a todos que dela precisam.
A terra lhe dá alegria de viver e muita saúde física e mental. Seu Aristides ama e trabalha com amor e criatividade, condições necessárias para que o trabalho seja uma fonte de prazer e não de sofrimento . Através de sua relação saudável com seu mundo, tornou-se um daqueles homens crescidos, que guarda em si os tesouros de sua meninice. Alguém já falou, que somos tão jovens quanto a nossa autoconfiança, tão idosos quanto nosso medo, tão moços quanto nossas esperanças e tão velhos quanto nosso desespero.
Seu Aristides é assim meio jovem, meio moço. Velho, é que não é. Não é desesperado, nem nada. Acredita que todo mundo tem assim algo de bom, sabe? Então se lhe contam algo, ele acredita, se o sujeito tá falando é porque é. Vai duvidar por que? Esse negócio de ser frustrado, decepcionado, de esperar e não acontecer... essas coisas assim de que as pessoas se queixam, isso não mete medo a ele. Seu Aristides não é homem de se abater. Se por ventura algo der errado... ah! seu Aristides vai levantar, sacudir a poeira e seguir fiel a seus princípios.
Dia desses, seu guardião, um cachorro vira-lata, não conseguiu denunciar a presença de invasores na terra. Os ladrões em algumas poucas visitas, levaram mais de 70 cabeças de animais! Uma das vezes, seu Aristides, chegou a tempo de impedir que um vizinho portando uma arma de fogo, disparasse contra o ladrão que fugia soltando a cerca:
- Não faça isso! disse seu Aristides. Não mate ele!
- É um ladrão, desgraçado! – diss seu vizinho.
- É, mas se você o mata, não poderei mais ficar aqui.
Como ficar? Aquelas terras jamais seriam as mesmas. Manchadas de sangue, ostentariam a cada minuto o ódio, a raiva e a destruição, sentimentos incompatíveis com aquele espaço. A paz daquele lugar se esvairia, seu Aristides ficaria escravo do fantasma de um morto que através de sua família, poderia voltar para vingar-se. Só restaria uma solução, fugir e reencontrar a paz em outro lugar. Mas onde, se seu mundo está ali, já consolidado, e construído? Haveria tempo para recomeçar? Como ficaria seu coração longe da terra amada?
Seu Aristides dorme um sono calmo, tranqüilo. É daqueles que põe a cabeça no travesseiro e já foi. À noitinha, se recolhe numa casa de alvenaria situada no meio da terra. É uma casa simples, não muito limpa mas que lhe acolhe nos bons tempos e lhe protege do tempos ruins. Apresenta logo a cozinha, parte que mais gosta da casa. Aponta uma grande janela que lá está totalmente aberta e diz: : “ olhe só que beleza essas visão! Daqui vejo tudo.” Seu tudo tá mesmo lá fora e bem lá de dentro, ele sabe disso.
Ao final da tarde de sábado, banhado, cheirando a jasmim e vestindo roupas limpas, lá se vai seu Aristides visitar uma de suas mulheres, ou quem sabe, as duas.
MCouto
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