VONTADE DE DIZER

VONTADE DE DIZER

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Nunca viu Maria



No homem, o desejo gera o amor. Na mulher, o amor gera o desejo.
(Jonathan Swift.)

Frente a afirmações sexistas como esta, amante que sou daquilo que considero a “boa MPB”,   me reporto imediatamente aos belos versos  de Chico Buarque: "O delegado é bamba na delegacia, mas nunca fez samba e nunca viu Maria."
Expressões como esta ganharam o mundo e o status da verdade. Contidas em importantes registros literários, alardeadas nas conversas de botequim, em cenas do dia a dia, ou ainda inscritas na ordem do silêncio, trazem consigo a pergunta: o que seus autores sabem e sentem sobre Maria?
Recentemente tive o prazer de assistir o show de Chico Buarque no Rio de Janeiro. Ve-lo interpretando algumas de suas belíssimas composições, falar sobre o espetáculo, sobre sua sonoridade, sobre as subjetividades de amores públicos e confessos em suas canções, foi a tônica que acompanhou por alguns dias, os papos com os amigos.
Um amigo espírita afirma que Chico já foi mulher e por isso fala com desenvoltura deste lugar. Outra amiga afirma -  ele será mulher! Para ela, Chico está em fase de evolução espiritual.
Tendenciosidades de gênero à parte , o poeta tem certamente uma grande familiaridade com a alma feminina, não temendo em dar voz e expressão a seus afetos e desejos. Promove encontros com sua contra-parte feminina e responde a sua própria ânima, ao seu eu lírico feminino,  projetando sobre nós a erotização dos encontros amorosos entre o ciclo de relações  homem-mulher-mulher-homem em arquétipos do feminino e do masculino presentes em todos nós.
Nós, mulheres, ouvimos Chico e ele sempre parece saber. Sim, Chico parece saber.
Esse cara com seus olhinhos infantis, essa figura pública, apesar de  masculina,  sabe ler como ninguém as entrelinhas dos fluxos e  refluxos  dos nossos desejos. Ele parece entender o arrastar de nossas asas e o acender do nosso fogo, mesmo quando de palha.

Marilda Couto