VONTADE DE DIZER

VONTADE DE DIZER

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Sobre encontros, desencontros e reencontros

Eu e meu pai
Segundo Vinicius de Moraes, a vida e´a arte do encontro. Sem dúvida, a vida e´ uma arte abstrata que coloca na cor e na forma sua expressividade maior, deixando o artista livre para expressar seus sentimentos interiores, sem relacioná-los as condições do mundo exterior.
Foi empoderada desta sabedoria que organizei a festa do meu aniversário! Nada daquela obrigação meramente social de convidar pessoas porque trabalham com você, porque são parentes mais-ou-menos- distantes, porque “vai ficar chato se souberem da festa, etc.” Pensei que caso isso viesse a acontecer, se nesse processo  alguém cobrasse o porque de não ter sido convidado, desdenhasse da festa ou se tornasse menos receptivo a mim por isso, ali estaria a certeza de que realmente essa pessoa não deveria  ser convidada! Esta e´uma das vantagens que a vida nos oferta na sua interseção com o tempo – mais vida, menos culpa.
Me dediquei a fazer visitas detalhadas a  memória  revivendo cenas e sentimentos. Vi a minha vida em uma linha não- reta ( fiquei feliz por isso - jamais suportaria uma vida reta e previsível), mudei varias vezes o traço e a cor, chorei e gargalhei, na maioria das vezes consegui ser coerente comigo e com aquilo que construi como princípios, amei conhecer algumas pessoas mais do que odiei cruzar com outras, tenho amigos a mais de 30 anos cuja valencia e´ imensurável e tenho alguns novos amigos, que conheci no ano passado, mas que já habitam um lugar especial no meu coração, ou seja, aprendi a arte da manutenção dos antigos encontros e da conquista dos novos. Curti meus ídolos e usei a moda ate´ não precisar mais dela, fugi das pessoas demasiadamente felizes, fui tola, sa´bia e burra em diversas situações na vida. Assim, listei cuidadosamente todas as pessoas que escreveram e contracenaram comigo em todos esses atos, mesmo aquelas cujos desencontros se deram por motivos desagradáveis na época, mas que hoje parecem bem banais.
Naqueles dias passei minha vida a limpo, escrevendo em letras douradas um convite- cartão, que comunicasse a todos os convidados a importância de sua presença/ausência no meu viver e na minha festa. O convite trazia na capa uma foto de mim – criança, no colo do meu pai. Na fotografia, no´s  dois olhamos ale´m,  como que para um lugar futuro. Na parte interna do convite, como quem oferta um buque de rosas, ofereci  aos convidados os escritos colhidos com muito carinho da poesia de Viviane Mose´:
“acho que a vida anda passando a mão em mim.
a vida anda passando a mão em mim.
acho que a vida anda passando.
a vida anda passando.
acho que a vida anda.
a vida anda em mim.
acho que há vida em mim.
a vida em mim anda passando.
acho que a vida anda passando a mão em mim

e por falar em sexo
quem anda me comendo é o tempo
na verdade faz tempo mas eu escondia
porque ele me pegava à força e por trás
um dia resolvi encará-lo de frente e disse:
tempo se você tem que me comer
que seja com o meu consentimento
e me olhando nos olhos

acho que ganhei o tempo
de lá pra cá ele tem sido bom comigo
dizem que ando até remoçando ...

 Fotos dos meus pais quando namorados, dos meus irmãos e cunhadas, da minha gravidez e dos meus filhos, preenchiam em marca d’água, o espaço interno do cartão que trazia  também (enfim) o convite propriamente dito:
“ Durante o nosso ciclo de vida muitas pessoas caminham conosco, mesmo que seja por pequenos trechos. Algumas são pessoas especiais para nos, que ajudam a colorir nossas vidas e contribuem para nos tornarmos o que somos.
Você esta sendo convidado(a) para esta celebração de vida, porque em algum momento nossos caminhos se cruzaram, por isso faço questão de comemorar com você esse grande encontro.
Obrigada por fazer parte da minha historia.”
Algumas pessoas da lista continuam emocional e fisicamente próximas, outras mais distante fisicamente seguem guardadas na caixinha da minha emoção. São pessoas que a cada reencontro percebemos que apesar do tempo transcorrido, nossas ausências jamais se caracterizarão como abandono ou desencontro. O tempo passa sem nos roubar nada e a cada  reencontro  senta-se resignadamente para nos assistir a rir, a contar historias e a compartilhar um vinho maravilhoso, sem que sequer olhemos para ele.  Mas tem aquelas com  quem desencontramos definitivamente, as que em vida morreram para nos e nos morremos para elas. Tive a oportunidade de encontrar uma dessas pessoas viva-morta e sem saber dessa condição, lhe mandei o convite. Ao ligar para confirmar sua presença, “feito essa gente que anda por ai brincando com a vida” disse-me:  - E´ numa terça ? poxa, não vai dar pra ir, tenho academia, não posso faltar. Depois, fiz uma lipoaspiração e não posso  colocar tudo a perder comendo bobagens durante a semana!
Por outro lado, tem as pessoas mortas-vivas, que seguem morando em outro plano como Rui Baldez, saudoso amigo e cantador irreverente de canções que amo.  No mesmo plano, tem o Seu Adherbal , meu pai e grande referência masculina. Todos e todas foram convidados e nem se importaram se a festa seria  na terça-feira.
Foi um grande reencontro, uma grande colcha de retalhos bordada a varias mãos. Algumas delas se apertaram pela primeira vez naquela noite. Esta´ tudo fotografado na retina dos meus olhos, um dia mostro a vocês. Na hora do parabens, tentei dizer Vinicius com a voz emocionada:
“ Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida...mas é delicioso que eu saiba e sinta que eu os adoro, embora não declare e os procure sempre...”
A festa passou, mas ainda guardo convites a serem entregues...quem sabe?
MCouto