VONTADE DE DIZER

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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A não – tragédia do espigão


A não tragédia do espigão
 Era uma tarde de sábado como aquela vivida por Seu Aristides, até o momento em que extraordinariamente, através de plantões, as TVs paraenses anunciaram em meio a costumeira chuva da tarde: desaba na capital, um prédio de 34 andares!
Com os olhos e corações cansados de acompanhar os últimos acontecimentos no sudeste do pais, todos se olhavam atônitos como a perguntar: aqui?!?! Sim, na nossa Belém. Nesta cidade sem tradição de grandes acidentes naturais ou causados por negligência humana, freqüentemente ocorridos em outras capitais, como em Recife, onde desabaram doze edifícios no período compreendido entre 1977 e 2004.
Em Belém, águas que derramam cotidianamente das nuvens e´ o nosso principal evento natural que provoca  alterações nos hábitos e no visual da cidade. Na pior das  hipóteses, assistimos a queda de algumas mangueiras idosas ou mau cuidadas e o vento cada vez mais poderoso, a levar partes de telhados sabidamente descuidados. E´ tudo! o resto fica por conta do susto e de um final de semana repleto de comentários da imprensa, de amigos e conhecidos  já que o tamanho e a dinâmica da nossa cidade nos permite sempre ter a sensação de que habitamos em uma miçanga.
Assim, alguém - que - conhece alguém – que - mora na mesma rua ou ao lado do ex- imóvel, contou detalhes do desabamento do prédio, felizmente em fase de construção, incluindo comentários  sobre o litígio que já cercava a execução da obra que teria sofrido interdições por problemas estruturais.
A despeito das manchetes dos jornais que insistem em tratar o ocorrido como tragédia ( a tragédia da 3 de maio! ), uma coisa e´ certa nessa situação: definitivamente não assistimos a uma tragédia no ultimo sábado. Na tragédia grega clássica, o indivíduo luta contra o destino, uma força imponderável que domina igualmente as ações dos homens e dos deuses. Supõe  um fatalismo do qual não podemos fugir,  um confronto necessariamente destinado a derrota do herói porque a vontade individual humana é lançada contra forças opostas,  maiores que ela. Trágico e´  o inevitável, o evitável e´ dramático!
Vivemos então um grande drama caracterizado por ações  plenas de desventuras, riscos, traumas, dificuldades, perdas, mas passiveis da intervenção humana e de  soluções  ao nosso alcance. A enchente decorrente de fortes chuvas e do transbordamento de rios, ´e exemplo de uma tragédia, porém  o desabamento de casas em áreas de risco, e´ da ordem do drama, porque pura e simplesmente poderia ter sido evitado pela ação do homem. E muitos deles estudam ou trabalham exatamente para isso.
No drama não há forças invencíveis que nos impeçam definitivamente de fazermos nossas escolhas, realizar decisões e possibilidades de não escrevermos nossa historia em paginas que se quer deveríamos rabiscar.  Assim, convém questionar: estamos formando engenheiros com condições técnico-científicas capazes de responder e atender a demanda cada vez mais fálica por moradia em imensos espigões? estamos realizando estudos e calculos adequados e tecnicamente corretos, capazes de garantir a ereção dos nossos símbolos fálicos e consequentemente o nosso prazer e instinto de vida?

Fico pensando se  “contrataríamos”  uma delicada cirurgia cardíaca ou neurológica com um medico recém saído da universidade ou se um hospital consentiria que um rapaz graduado a um ano, assinasse a responsabilidade pela intervenção. Geralmente os médicos formam-se e de imediato iniciam uma residência ou especialização na área escolhida. Os psicólogos clínicos para atender clientes em consultórios, contratam a supervisão técnica de um profissional mais experiente em sessões semanais. E os engenheiros que constroem grandes espigões, o que fazem? Lembro da angústia de um amigo ao construir seu primeiro prédio com simples e humildes três andares. Havia tempo e lugar para a insegurança, cálculos, insônia, recálculos e finalmente a cautela comum aqueles que tem a humildade de reconhecer-se como um ser humano passível de erros. A vivência, a experiência, o aprendizado, a segurança aumentada, lhe permitiu mais tarde dar vôos literalmente  mais altos.

A contemporaneidade,  entretanto, tem urgências. O mercado imobiliário corre  contra o tempo ( e talvez contra outras coisas) a fim de responder a contento os atualíssimos e sofisticados desejos, que ultrapassam em muito a necessidade humana de morar. Urgem prédios cada vez mais altos, próximos a nuvens e  sonhos em nossa capital, que parece ter congelado quanto a isso por um longo período. O Ed. Manoel Pinto da Silva, com seus 25 andares, permaneceu durante décadas com o status do prédio mais alto do Pará. Alem disso foi o primeiro edifício da capital paraense feito por gente daqui com as técnicas modernas da construção da época , como a implantação de elevadores e a utilização do concreto.

Certamente um grande desafio para o ano de 1958, mas o Manoel Pinto da Silva segue viril e imponente ate´ hoje.

MCouto

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